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A Minha Rádio Podcast: Cowboy Cantor

sexta-feira, fevereiro 23, 2007

A Formiga No Carreiro


Como uma formiga em sentido contrário. Foi assim que viveu o Estado Novo.
Uma formiga em sentido contrário, que chocou contra tantas outras que seguiam a formiga rainha. Mas esta formiga desobediente decidiu mudar o seu percurso por achar que as outras não estavam no bom caminho. Sem recorrer à força física, decidiu tentar convencer as outras formigas usando as palavras e a música. Foi assim que inventou a canção portuguesa. Foi assim que convenceu outras formigas a mudarem de rumo, e andarem em sentido contrário do restante carreiro. Foi assim que se tornou na formiga rainha. Foi com a força das suas palavras e canções que de José, passou a ser Zeca para os amigos. E os amigos seriam todas as formigas que decidiram acompanhar a sua luta.
Foi pedindo que outros amigos o acompanhassem, e trouxessem outros amigos. E a luta começou a ter mais vozes, o coro aumentou.
Zeca, era na verdade amigo de todos os que queriam chamá-lo de Zeca. Muitas outras formigas em sentido contrário marcaram a luta por um rumo certo através da canção, mas não há dúvida que Zeca Afonso era o símbolo de uma geração de músicos que usavam a sua força musical para lutaram contra o Estado Novo.
No dia 23 de Fevereiro de 1987, pelas 9:05 da manhã, o meu pai bateu à porta da sala da minha mãe, com a voz amarrada na garganta comunicou o que tinha acabado de ouvir no noticiário da Antena 1:
- Alice, já morreu.
Eu tinha 8 anos, conhecia pouco do Zeca Afonso, mas pela expressão dos meus pais percebi o choque que era saber-se desta notícia. Também fiquei triste neste dia. Os alunos da minha mãe chegaram a perguntar se o Zeca Afonso era da família da minha mãe, devido à expressão dos meus pais.
Arrepio-me sempre que ouço a “Grândola, Vila Morena”, a canção que atrevo-me a dizer que é como se fosse um segundo hino da nossa nação, arrepio-me ainda mais ao ouvir o concerto gravado no Coliseu, naquela que foi a última aparição em palco do cantor. Zeca Afonso sabia que cada canção que iria cantar naquela noite seria a última vez que o faria, uma vez que a sua doença não o iria permitir continuar a cantar por muito mais tempo. Ao ouvir o concerto nota-se várias vezes que a voz já estava a falhar, mas como uma verdadeira formiga no carreiro à roda com a vida, lutou até ao fim. Cantou até esgotar o último fôlego. No final, já nem cantava a “Grândola, Vila Morena”. O público cantou quase sozinho, mas ainda houve forças para gritar “25 de Abril, sempre”, e dizer um obrigado e até sempre, porque Zeca Afonso será como o 25 de Abril: sempre.




nota: depois de publicar este texto, o Sérgio, um revisor atento, casado com a minha irmã mais nova, informou-me que o concerto no Coliseu de Lisboa não foi o último. Depois deste concerto ainda houve forças para mais um concerto no Coliseu do Porto, outro concerto em Coimbra e ainda mais um nas Caldas da Rainha. Fica o reparo. O agradecimento ao Sérgio, e o pedido de desculpa pelo meu engano.
nota 2: saliento que ao contrário do que tinha primeiramente escrito, quando o meu pai comunicou a notícia à minha mãe, não referiu o nome de ninguém.

5 comentários:

Anónimo disse...

Zeca, Sempre!

Anónimo disse...

20 anos... que merda!!!
Na minha casa a notícia foi recebida pela boca do meu tio Manuel. Eu tinha seis anos, ele os olhos rasos de lágrimas... Só o vi chorar mais uma vez: quando morreu meu avô.
Quanto ao hino: pessoalmente sinto-me patrioticamente mais ligado à "Grândola" que a um hino "contra os bretões"... A minha pátria é muito mais uma vila de liberdade, igualdade e fraternidade (onde em cada rosto há um amigo!), que um país de bélicos "heróis do mar"...
VIVA ZECA AFONSO! 25 DE ABRIL SEMPRE!

Zé Couto

Rodrigo de Sá disse...

Zé, não sei em que vila vives, mas esta coisa da igualdade e fraternidade nem sempre é fácil de encontrar por onde passo. Quanto à liberdade, se não a houvesse, não iria agora dizer que às vezes querem tirar-nos o melhor de Abril.

Anónimo disse...

Caro Rodrigo,
De facto, estamos cada vez mais longe da vila da fraternidade, da igualdade e da liberdade (a minha pátria: a Grândola)... Mas, como dizia Miguel Torga, "a minha teimosa aguerrida é quebrar cada dia um grilhão de corrente"... Mesmo que todos os dias chamem isso de utopia...

Zé Couto

Rodrigo de Sá disse...

O próprio José Afonso era a voz da Utopia.